Leis dos homens e lei de
Deus
A vida em sociedade se torna cada
vez mais complexa, exigindo uma série de leis e normas para regular o
comportamento das pessoas e dos grupos. Não é novidade saber que um emaranhado
de leis tantas vezes confunde os cidadãos, dificultando-lhes até manter-se em
dia com suas obrigações. Para dar um exemplo, basta conversar com as pessoas
que devem estar atualizadas quanto à legislação tributária e ver o quanto lhes
é trabalhoso saber das ultimíssimas mudanças. Que se preparem os que devem
preparar suas declarações de renda!
E podemos ir além, ao tomar
consciência de que vivemos num estado laico, no qual todos os setores da
sociedade, incluindo as diversas convicções religiosas, devem encontrar seu
espaço, na superação de eventuais privilégios. Curioso é que a crescente
laicização do Estado encontra meios e verbas para eventos no mínimo duvidosos,
considerados manifestações culturais, relegando ao espaço privado a relação com
Deus, da qual o ser humano não pode fugir, sob pena de perder o rumo e o
sentido de sua existência. Nem é necessário fazer uma lista dos gastos
correntes em nosso país, nos quais bilhões de reais são despendidos, inclusive
com obras cuja utilidade prática posterior aos eventos programados é altamente
questionável. Entende-se assim a revolta que jovens e menos jovens manifestam
em nossas ruas, mesmo se os métodos e gritos se confundam com grupos violentos
infiltrados em suas ações.
Bastam as leis e o laicismo do
Estado? Quais serão as consequências do alijamento dos grupos religiosos da educação
ou do cuidado com a saúde, pelas dificuldades encontradas para manter obras
sociais correspondentes às convicções cristãs que os movem? Pode ficar tudo
aparentemente certo, mas o que está por trás? E uma sociedade que perdeu as
estribeiras quanto à moralidade dos atos públicos ou a exposição contínua de
atos de esperteza ou de corrupção, para onde vai? Para onde foi a moral
familiar? E as leis, podem ser simplesmente acolhidas, mesmo quando é patente
sua iniquidade?
Jesus, Senhor e Salvador, enfrentou
uma sociedade repleta de leis e mandamentos, sendo diante de muitos um violador
das normas vigentes. No entanto, seu comportamento e seu ensinamento realizam e
superam toda a lei. “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim
para abolir, mas para cumprir. Antes que o céu e a terra deixem de existir, nem
uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo aconteça. Portanto,
quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e assim
ensinar os outros, será considerado o menor no Reino dos Céus. Quem os praticar
e ensinar será considerado grande no Reino dos Céus. Eu vos digo: Se vossa
justiça não for maior que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no Reino
dos Céus” (Mt 5, 17-20).
Nasce então a pergunta: como superar
as normas dos escribas e dos fariseus, ou como ir além das constituições, leis,
normas técnicas ou regulamentos existentes em cada época? “Os olhos do Senhor
estão voltados para os que o temem. Ele conhece todas as obras do ser humano.
Não mandou ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença para pecar” (Eclo
15, 20-21). Começamos com radicalidade! Acomodar-se com a maldade e ajeitar a
consciência é princípio de desastre! Ninguém foi destinado ao crime ou à
corrupção, ninguém foi feito para andar errado ou afundar-se na lama da
impureza! Não há um destino cego que obrigue à iniquidade. Acreditar que fomos
feitos para o bem e para o que é certo e não admitir qualquer relaxamento de
consciência é primeira resposta.
O grande Apóstolo São Paulo (Rm
13, 1-10) ajudou a enfrentar estas questões, ensinando que todos se submetam às
autoridades que exercem o poder, pois não existe autoridade que não venha de
Deus. Fez até uma pergunta provocante, com a correspondente resposta: “Queres
não ter medo da autoridade? Pratica o bem, e serás por ela elogiado... É
preciso obedecer, não somente por medo do castigo, mas por motivo de
consciência. Pela mesma razão, pagais impostos. Dai a cada um o que lhe é
devido: seja imposto, seja taxa, ou, também, o temor e o respeito”. O cristão
há de ser exemplar no cumprimento dos próprios deveres de cidadania!
Entretanto, o caminho de
superação das leis é justamente o cumprimento da lei maior, o amor, “pois quem
ama o próximo cumpre plenamente a Lei... O amor é o cumprimento perfeito da
Lei”. (Rm 13, 8.10). O mesmo apóstolo, escrevendo aos Gálatas, numa frase
breve, estupenda e lapidar, diz outra vez que “toda a lei se resume neste único
mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5,14). É verdade! Quem
ama não rouba, não mata. E não só evita o mal, mas se abre aos outros, deseja o
bem, pratica o bem, sabe doar-se, chega a dar a vida pela pessoa amada. Por
isso Paulo escreve que, amando o próximo, não só se cumpre a lei, mas se cumpre
“toda a lei”. Os outros mandamentos são meios para nos iluminar e guiar a fim
de sabermos encontrar, nas complexas situações da vida, o caminho para amar os
outros. E por que o Apóstolo não fala também do amor a Deus? É que o amor a
Deus e o amor ao próximo não competem entre si. Um deles, o amor ao próximo, é
até mesmo expressão do outro, do amor a Deus. Com efeito, amar a Deus significa
fazer a sua vontade, e a sua vontade é que amemos o próximo (Cf. Chiara Lubich,
Comentário à Palavra de Vida, Roma, 25 de maio de 1983).
Enfim, faz ainda parte da vida
cristã saber lutar contra as leis injustas, denunciar o mal. Nos dias que
correm, uma das mais importantes bandeiras dos cristãos, ainda que venham leis
ou normas contrárias, é a da valorização da vida. Mesmo que sejam leis civis a
permitir práticas abortivas ou outras violações da absoluta dignidade humana,
não seremos obrigados a cumpri-las. Nasce a corajosa objeção de consciência,
que vem também a ser praticada quando se recusa a sujar as mãos e o coração com
a corrupção e o roubo. Em ano eleitoral, aqui se encontram preciosas
referências para engajamento político, participação e voto! Se necessário,
trata-se de nadar contra a correnteza, para vencer a torrente de maldade
existente também em nosso tempo.
Dom Alberto Taveira
Corrêa
Colunista do Portal Ecclesia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário