Tráfico humano
A Campanha da Fraternidade, que
existe há mais de cinquenta anos, é um evento quaresmal realizado pela Igreja
no Brasil e quer comprometer os cristãos em particular e a sociedade em geral
na busca do bem comum através do espírito comunitário. Isso só é possível
quando acontece a educação para a fraternidade, tendo como ponto de partida a
justiça e o amor, que são exigências centrais do Evangelho. Com isso, a
consciência do cristão é renovada em vista da responsabilidade pela ação
evangelizadora da Igreja, pela promoção humana e por uma sociedade justa e
solidária. O tema da Campanha da Fraternidade tematiza o ano todo e serve para
aprofundar algumas pastorais afins para que continuem levando adiante os
desafios que a CF propõe.
No início de fevereiro, a
Arquidiocese do Rio de Janeiro apresentou o tema a todos os agentes de pastoral
para que concluíssem as preparações iniciadas em todos os vicariatos já no
final do ano passado, e assim, fossem os primeiros animadores da CF durante o
tempo da Quaresma, que iniciará daqui a um mês, na Quarta-feira de Cinzas.
É a época que nos apresenta a
proposta da conversão, que deve acontecer em três âmbitos: o pessoal, o social
e o eclesial. A Campanha da Fraternidade, enquanto evento quaresmal, deve
contribuir para que esta proposta seja concretizada. No âmbito pessoal, ela nos
leva a tomar consciência a respeito de um grave problema de ordem nacional (e
mundial) e a nos posicionar diante dele. Em âmbito social, nos convida à
mobilização e a iniciativas em vista da superação do problema. Em âmbito
eclesial, nos convida a adequar a nossa ação pastoral em vista das necessidades
do rebanho, em especial àquelas que dizem respeito ao tema abordado por ela.
Neste ano, o tema é “Fraternidade e Tráfico Humano”.
A liturgia da Quarta-feira de
Cinzas nos mostra os três elementos principais que o tempo quaresmal nos propõe
para que a conversão aconteça: a oração, o jejum e a esmola. A oração é um
grande canal através do qual a graça divina, elemento fundamental para a
conversão, chega até nós. O jejum nos une mais de perto ao Cristo sofredor e
nos convida a buscar os verdadeiros valores que devem nortear o nosso existir
enquanto peregrinos nesta terra rumo ao Reino definitivo. A esmola é o que
transforma o jejum em caridade e nos leva a crescer no amor aos mais pobres e
necessitados, tendo como mística o próprio Cristo sofredor, presente neles,
pois “todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,
foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40).
A Campanha da Fraternidade
contribui com o espírito de oração quaresmal através dos seus subsídios
litúrgicos, celebrativos e para as mais diferentes formas de reuniões do nosso
povo. Contribui também com o jejum, pois nos convida a voltarmos o nosso olhar
para valores que nos motivam a buscar mais o perene, através de valores que nos
levam a contribuir para a superação do sofrimento presente em consequência da
absolutização do transitório. Por fim, contribui com a esmola através da
realização da Coleta Nacional da Solidariedade, que sempre acontece no Domingo
de Ramos e da Paixão, com o objetivo de investir em projetos de solidariedade
por todo o nosso país.
Com o objetivo de “identificar as
práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-lo como violação da
dignidade e da liberdade humana, mobilizando cristãos e a sociedade brasileira
para erradicar esse mal, com vista ao resgate da vida dos filhos e filhas de
Deus”, a Campanha da Fraternidade de 2014 quer envolver todas as pessoas, a
Igreja e a sociedade no combate a este crime tão degradante, que está presente
no seio da humanidade desde os tempos mais antigos e que nunca foi combatido
com a devida seriedade, sendo que, muitas vezes, contou com a anuência e o
apoio da sociedade em geral e até mesmo das mais diversas instituições
políticas surgidas ao longo da história.
É um tema social que não é apenas
para o interior da Igreja, mas também é a Igreja que profetiza sobre o assunto
para nossa sociedade. O teólogo J. B. Libânio, SJ, recentemente falecido, em
seu artigo na revista “vida pastoral 295” recordou: “assusta-nos até onde chega
a perversidade de traficar seres humanos como se fossem coisas”, e ainda: “a CF
2014 escolheu como tema um desses atos perversos que nos envergonham – o
tráfico humano –, a fim de despertar e reforçar na consciência dos brasileiros
o repúdio por tal prática.”
Dom Orani João Tempesta
Colunista do Portal Ecclesia.